A abelha pousou numa flor da inovação arquitetônica, recolheu o néctar (que lhe pareceu igual aos outros) e retornou para a colmeia. Colegas operárias estranharam a carga incomum. Uma inspetora real percebeu que a abelha frequentara uma flor não-indexada e, sem saber o que fazer, optou pelo mais simples: encarcerá-la. O ato arbitrário surpreendeu uma facção das operárias. Elas protocolaram um recurso à Rainha, exigindo a libertação imediata da companheira.
Acostumadas com a paz e a ordem, a Rainha e suas Ministras enrolaram-se nos meandros da indecisão. Isso alongou o encarceramento da abelha, levando-a a assumir posturas em desacordo com as tradições. Chegou a declarar-se enojada por viver numa colmeia tão estúpida. Dias depois, a Rainha decretou a libertação, em nome do amor a todas as suas filhas. E como o trabalho é a maior felicidade de uma operária, a prisioneira podia colaborar com as obras de ampliação dos favos.
A construção respeitava os cronogramas, mas a recém-liberta agia com um vagar pensativo. Numa noite, as operárias dormiam e ela manteve-se trabalhando, num empenho secreto. Na manhã seguinte, a novidade estarreceu a colmeia: a insubmissa construíra um alvéolo pentagonal. Ressabiadas pelos fatos recentes, as inspetoras silenciaram.
Logo as abelhas dividiram-se em duas seitas: hexagonais X pentagonistas. As hexagonais repudiavam os pentágonos por ofenderem os costumes e acarretarem gastos desnecessários de material. As pentagonistas acusavam o outro grupo de reacionário, por querer impedir a invenção.
Em meio às polêmicas, uma abelha tímida sugeriu um acordo: em vez de hexágonos ou pentágonos, toda a colmeia podia optar pelos quadrados ou, talvez, pelos heptágonos. A proposta gerou ideias atrozes. As abelhas perceberam que podiam criar triângulos, octógonos, dodecágonos, cones. As seitas multiplicaram-se.
Após reuniões de emergência com suas Ministras, a Rainha excretou um Ato Institucional, que reafirmava a verdade eterna da arquitetura em hexágonos e proibia o contato das abelhas com o néctar da invenção. Tais precauções apenas aguçaram a curiosidade. O tráfico da substância ilícita alastrou-se na mesma escala em que a autoridade da Rainha definhava.
Abelhas rebeladas passaram a construir favos com alvéolos em espiral, em ziguezague, em rosca, em filete, em hélice, em sifão, em elipse, em voluta, em gavinha, em onda, em sinuosidade, em dobra. Abelhas filosóficas conceituavam a obrigação de se construir "colmeias do seu tempo" (bienenstockihrerzeit); abelhas boêmias perguntavam-se: "Colmeia? Pra quê?"; abelhas anarquistas repudiavam todos os sistemas, acusando-os de simulacros das anacrônicas imposições reais. A maioria, sem pendores para raciocínios elaborados, contentava-se em seguir tendências.
A enfraquecida Rainha acreditava num colapso próximo. Alguns dos novos alvéolos não retinham o mel, que se derramava e se perdia no chão. As inclemências do calor e das chuvas extinguiram milhares de larvas. Aflita com a chegada do inverno, ela enviou embaixadoras até outra colmeia. Selou-se um acordo. A colmeia "tradicional" forneceria alimentos durante o frio, mas cobraria metade dos alimentos produzidos nos três anos seguintes. O trato durou pouco, porque o vício do néctar proibido disseminou-se na outra colmeia. E depois em outras. E depois em toda a espécie. Tradições relacionavam a Apis mellifera à alienação abnegada. Hoje, tal imagem restringe-se às fábulas infantis.
FONTE: http://auemrede.com.br/arquitetura-urbanismo/203/a-flor-da-inovacao-arquitetonica-208734-1.asp